O Museu da Imagem e do Som para além do conceitual

22/11/2023

O que se pode esperar de um ambiente imersivo e interativo?

Por Milenna Murta 

A pequena extensão em paralelepípedo da avenida é atravessada em uma calma tarde de domingo. Três amigas chegam ao museu para o que se propõe ser mais uma saída pela capital. Ao entrar, surge a estranheza do que fazer e de como agir. Será que precisamos nos portar como pessoas cultas? O que deve ser feito ao descer a profunda escadaria que nos leva à exposição?

Fotos são registradas pela garota que faz Arquitetura, e já se é esperado que ela aprecie mais o local por se encaixar em seu perfil. Como imaginado, inicia-se uma conversa sobre como aquela escada, que não deve ser mais do que uma obra de sustento, é conceitual e o quê a futura arquiteta mudaria ali. A ideia de um passeio erudito parece estar indo bem, mas um tropeço na grande escadaria e suas risadas destroem o clima da melhor maneira possível. As três entram mais descontraídas na sala e tudo de erudito vai embora, ainda bem. 

Museu da Imagem e do Som e Anexo / Acervo Governo Estadual
Museu da Imagem e do Som e Anexo / Acervo Governo Estadual

Cores que cantam, dragões que se devoram – Chico da Silva

"Olha, tem dinossauros aqui!" Nenhuma das três faz questão de saber se isso é certo ou não, e a imaginação flui pelos dragões expostos, transformando-os no que quisermos. A sala está quase vazia, e nos sentamos na extremidade oposta dos únicos outros visitantes: uma mãe e seu filho pequeno.

Há uma mistura de bate papo e silêncio, talvez por não sabermos como agir, e os assuntos mais fúteis são fundidos com um som de fundo bastante específico: bolhas do fundo do mar. Peixes passam ao nosso redor enquanto esperamos o final e recomeço da apresentação. Vídeos são gravados enquanto surgem barulhos tropicais na trilha sonora, mas nada é feito além de uma conversa rápida.

As luzes se apagam novamente e percebemos que havíamos entrado ao fim da apresentação. Luz branca e uma mensagem nas quatro paredes do museu: cinco minutos de intervalo. O chão gelado em que preferimos nos sentar também está em branco e a melodia ambiente tão característica faz falta.

Os dragões (dinossauros) que se devoram / Acervo pessoal
Os dragões (dinossauros) que se devoram / Acervo pessoal

"Eu não sei apreciar a arte" é dito por uma amiga pouco antes das luzes se acenderem. Quando o espetáculo começa mais uma vez, vemos aquele filho pequeno começar a correr e brincar com a obra exposta no chão. Ocorre uma realização: ele está apreciando a arte.

Há um momento em que uma das amigas chama a outra para dançar ali mesmo, mas esta prefere ficar sentada assistindo. A terceira grava cada mínimo detalhe – especialmente as descontrações. De certo modo, todas estão apreciando a arte à sua maneira.

Algas marinhas tomam o lugar dos peixes e das bolhas, aumentando e diminuindo, agindo entre o maximalismo e o minimalismo. Lentamente, transformam-se em um mar de linhas sem direção. A criança continua correndo, pulando em cima de cada traço feito no chão, e os dragões começam a reaparecer, ampliando e reduzindo tal qual as algas.

O som ambiente continua no fundo do mar, apesar dos animais místicos, e há uma sensação de calmaria. Sentada no chão, uma das meninas se deita, contrastando com o garotinho que não para de correr por um único segundo. Em algum momento, surge a assinatura do universo de Chico da Silva, artista da exposição imersiva, além do nome da Escola do Pirambu. Mais fotos são registradas.

As cores e os dragões de Chico / Acervo pessoal
As cores e os dragões de Chico / Acervo pessoal

O cenário muda: o que antes era um contraste de preto e cores neons, transforma-se em tonalidades pastéis. Há uma imagem mais abstrata como plano de fundo, e os pássaros voam na camada à frente. As formas no chão começam a girar, assim como as aves que o acompanham. A criança segue as formas e a mãe o grava. Perto da porta, um novo casal chega para fotografar.

Na extremidade oposta, ficamos em silêncio novamente. A trilha sonora é mais calma e, pela primeira vez, não dá para reconhecê-la como sendo de um ambiente específico. Outro cenário incrível para fotos.

As próximas imagens talvez sejam surrealistas, ou há uma chance de ser um estilo bastante clichê e fácil de deduzir para as mentes mais imersas nas artes. Para quem não liga em parecer um crítico erudito, são simples misturas de desenhos que devem fazer parte do universo do tal Chico.

Os quadros não demoram a surgir e deslizam entre os visitantes, assim como os últimos dragões – uma verdadeira arte antes do plano de fundo voltar ao conhecido preto. Palavras em branco começam a se expandir pelos arredores. Talvez a criança tenha tentado ler a frase que estava sendo formada. Talvez o casal tenha fotografado e nem feito questão de deduzi-las. É um espetáculo de qualquer maneira, mas a reflexão de observar as palavras soltas, as letras balançando entre si, é única para todos.

A consciência de Chico da Silva / Acervo pessoal
A consciência de Chico da Silva / Acervo pessoal

Em uma mudança súbita, as letras começam a cair e são puxadas para o chão, para o centro da sala, antes de desaparecer. Para quem já estava sentado ali, sentiu-se ainda mais parte da arte.

Os dragões são invocados mais uma vez, e percebemos que assistimos toda a exposição.

Os sentidos e um tal de laboratório

Ao lado da estrutura grande e contemporânea em que se encontra a experiência imersiva, há uma casa de ar mais histórico que habita o museu original. Branquinha, reformada, mas a sensação é de quem irá receber uma aula de história sobre todo o bairro. Talvez uma família rica tenha habitado aquele recinto, ou ali funcionou um importante órgão municipal.

Entrar naquela charmosa casinha é pedir para ter essa expectativa quebrada. Não há historiadores para narrar um fato importante sobre a fundação de Fortaleza, mas existe uma exposição sensorial perfeita para continuar o passeio descontraído.

Exposição do laboratório dos sentidos / Acervo MIS
Exposição do laboratório dos sentidos / Acervo MIS

Os pequenos experimentos presentes ensinam e divertem quem os utiliza. Uma roda que ilude a ótica de quem a observa, um modelo de olho que demonstra a ocorrência de miopia e astigmatismo na prática e discos que remontam as primeiras ideias de ilusão de movimento com fotos – o cinema – são apenas três das diversas obras expostas.

Contrastando com a experiência de Chico da Silva, essa sessão parece uma ciência mais exata, enquanto os dragões – ou dinossauros – eram uma ciência mais linguística. De todo modo, habita a arte e a interação com ela.

As obras divertiram tanto quanto a sala imersiva. Em certo ponto, sair cantando músicas infantis para experimentar um aparelho que simulava como as ondas sonoras eram recebidas pela audição humana entrou no script. Nada é ensaiado, pouco se busca fazer do passeio uma visita de aprendizado, mas tudo flui naturalmente.

Afinal, tem maneira certa de apreciar a arte?

A sociedade vive por uma ideia de conceito e significado ao tratar de exposições, mas será que é preciso ser um especialista para compreender o que o artista quis dizer com sua obra?

"Eu acho que inventei um conceito" foi dito após tentar, quase em vão, entender o sentido de uma obra dentro do laboratório dos sentidos. Mas será que foi tão em vão assim? Qual devia ser o significado correto daquele experimento? E se aquela peça simplesmente não possuísse uma explicação?

Penso no que os dadaístas diriam de alguém que busca estética e conceito a todo custo. Repreendo por achar que não há uma interpretação. Canso de pensar no erudito.

Quadros e mais conceitos / Acervo pessoal
Quadros e mais conceitos / Acervo pessoal

As crianças já estão em maior número, assim como os adultos, e todos se divertem ao interagir com as obras de sentidos e ao relaxar na sala imersiva do que se tornaram dinossauros para alguns. Ninguém ali parece buscar uma explicação lógica ou uma compreensão histórica e simbólica.

No fim das contas, é um museu que utiliza o visitante como obra também. Do cachorro que brinca com o dono no pátio de entrada enquanto o sol se põe, até o casal de rapazes que parecem lotar o celular com fotos e vídeos, todos montam a própria história ali, através da imagem e do som.

Cercado de leveza, conversas descontraídas, fotos e risadas de uma saída de domingo, todas vão embora de cabeça leve. Encontra-se novamente a avenida de paralelepípedos, e o que resta são sons de fundo do mar, chão gelado, criação de conceitos e muitos dinossauros. Em outras palavras, um espetáculo cultural.


Aos interessados:

Museu da Imagem e do Som - Av. Barão de Studart, 410 - Meireles

Funcionamento: quartas e quintas das 10hrs até as 17:30hrs e sextas aos domingos das 13hrs até as 19:30hrs

Entrada gratuita! 

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